O ARQUITETO E O IMPERADOR DA ASSÍRIA

Escrita em 1967 pelo dramaturgo espanhol Fernando Arrabal, O Arquiteto e o Imperador da Assíria é uma das peças fundamentais da reflexão sobre o pós-guerra e o totalitarismo que culminou no confronto. Uma montagem inédita do espetáculo, criada pelo grupo Garagem 21, estreia no Centro Cultural São Paulo, no dia 27 de março de 2020, sexta-feira, às 20h30. A direção é de Cesar Ribeiro. No elenco, os atores Eric Lenate (Arquiteto) e Helio Cicero (Imperador).

Situada em uma ilha deserta, a peça se inicia com um desastre aéreo que leva seu único sobrevivente a entrar em contato com um nativo que jamais teve contato com outro ser humano. A partir dessa interação, o sobrevivente busca impor ao outro suas ideias de cultura e civilização.

Ao contrapor um homem civilizado com um ser sem origem reconhecida, sem ascendência e que nunca teve contato com outro humano, a obra retrata a violência inserida no processo de formação da sociedade. Utilizando a cultura para seduzir o Arquiteto sobre as supostas maravilhas da civilização, além da construção da linguagem, há o processo de formação do Estado e do conhecimento de toda a estrutura social, em que entram conceitos como política, religião, família, relações afetivas, artes, filosofia e a própria noção de humano, termos desconhecidos pelo nativo e sempre apresentados pelo Imperador de modo distorcido, trazendo conexões com as ideias de fake news e pós-verdade”, analisa o diretor.

A escolha de montar O Arquiteto e o Imperador da Assíria representa uma continuidade da proposta de Cesar Ribeiro em dirigir peças que abordem sistemas diversos de violência. “De acordo com o conceito de Triângulo da Violência, proposto pelo sociólogo norueguês Johan Galtung, pode-se dividi-la em três tipos: a violência direta, que é a forma mais reconhecível na sociedade, em que há um agente que comete a violência, um que a sofre e uma ação violenta, como o assassinato; a violência estrutural, em que a violência se imiscui na estrutura da sociedade, como a desigualdade social, por meio de questões como o desemprego; e a violência cultural, que retrata os modos de discurso e visão de mundo que buscam validar a violência direta e a estrutural, como o racismo, o machismo e a homofobia. Na peça, há as três tipificações, mas o alicerce da criação do poder do Imperador está na violência cultural, ao utilizar o conhecimento do mundo dito civilizado para seduzir o Arquiteto e fazer com que o jogo de dominação seja aceito por ele”, diz Cesar.

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O texto original de Arrabal foi preservado na adaptação, mas o grupo inseriu trechos de obras de outros autores, como do dramaturgo irlandês Samuel Beckett e do carioca Nelson Rodrigues. Segundo o diretor, trata-se de inserções pontuais que complementam frases de Arrabal e reforçam as semelhanças que regimes totalitários têm entre si. “Também foi possível inserir texto de editorial do dia seguinte ao golpe militar de 1964, em uma busca de intensificar a crítica da montagem ao autoritarismo atual”, conta.
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Houve a opção de não representar na cena os elementos que poderiam remeter a uma ilha deserta – a escolha foi criar um terreno distópico não facilmente identificado, por meio de uma estética contemporânea que remete a jogos eletrônicos e HQs para representar uma sociedade que se vale do artifício e do arbítrio, em oposição à alegação de suposta “natureza das coisas”. Do mesmo modo, o desastre também deixa rastros que são utilizados cenicamente, como a cabine e a poltrona do avião, que se tornam, respectivamente, o trono do Imperador e sua cabana.

A inspiração para esse cenário apocalíptico é múltipla. Há elementos da saga japonesa Ghost In The Shell; do artista plástico suíço H. R. Giger, reconhecido pela estética metalizada e futurista de Alien; do cinema expressionista alemão; e das propostas cênicas do encenador polonês Tadeusz Kantor.

O figurino também responde a uma estética futurista fundida à moda elisabetana, com influências do estilista britânico Gareth Pugh. “Há uma busca de não localizar tempo e espaço na montagem, ao mesmo tempo em que esse espelhamento em um futuro de ruínas industriais e tecnológicas aponta para a transformação da sociedade a partir de sua periferia, de seus produtos, mas não do humano em si”, complementa Cesar.

O diretor reforça que o ponto central da encenação é abordar como determinados modos da narrativa, que representam uma visão da realidade, servem a um projeto totalitário de poder que se pretende salvador, mas que, para exercer essa ideia de salvação, constrói a destruição do outro, do divergente, seja por meio de crimes diretamente executados por agentes do Estado ou por diversos mecanismos de coerção e perseguição. “Trata-se de uma necropolítica, do constante retorno a modos de tratar o outro como inimigo, seja por aspectos morais, religiosos, econômicos, políticos, raciais, sexuais ou afins. O poder de agentes, intra ou extra Estado, de determinar quem é útil ou inútil a determinada sociedade e dispor sobre sua vida e sua morte. Esse princípio de aniquilação do outro visando a um suposto bem comum, sempre excludente, é característica de toda ditadura e de uma civilização em estado de guerra contra sua própria população, solidificando a barbárie como aspecto do cotidiano”, conclui.

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O Arquiteto e o Imperador da Assíria

Com Eric Lenate e Helio Cicero

Duração 120 minutos

Classificação 16 anos

Centro Cultural São Paulo – Sala Jardel Filho (Rua Vergueiro, 1000 – Paraíso, São Paulo)

27/03 a 19/04

Quinta a Sábado – 20h30, Domingo – 19h30

$20 (entrada gratuita para estudantes e professores da rede pública de ensino)

Teatro Cacilda Becker (R. Tito, 295 – Lapa, São Paulo)

01 a 24/05

Sábado – 21h, Domingo – 19h (sessão extra 01/05 – sexta 21h)

$20 (entrada gratuita para estudantes e professores da rede pública de ensino)

II MAS – MOSTRA DE ARTE SINGULAR

A PAR Produção, em parceria com a FETAERJ, através da cogestão, Chacrinha em Cena, apresentam a 2ª edição da “MAS – Mostra de Arte Singular.” As inscrições online acontecem através do site www.fetaerj.com até 10 de março de 2020.

Poderão participar do “MAS – Mostra de Artes Singular” projetos culturais (Teatro, Dança, Música e Artes Visuais) em que parte ou totalidade dos seus integrantes sejam PcD (Pessoas com Deficiência).

O evento visa uma interação em que a arte se sobreponha a todas as diferenças, demonstrando que cada um tem suas próprias superações e que as limitações não impedem o fazer artístico.

A mostra de arte singular surge com o intuito de criar um espaço em que os artistas, com deficiência ou não, possam apresentar todas as suas singularidades, expondo através da arte suas características próprias e únicas, ideias fora do comum, inusitadas.

A palavra usada para se referir a características únicas de um indivíduo foi escolhida também para nomear nosso novo projeto que busca expressões artísticas únicas. A mostra, gratuita, será realizada no período de 14 a 18 de abril de 2020, na Arena Carioca Chacrinha, gratuita.

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 FETAERJ

 A FETAERJ – Federação de Teatro Associativo do Estado do Rio de Janeiro – é uma instituição sem fins lucrativos e de utilidade pública estadual. Há 41 anos associa grupos de teatro com o objetivo de fomentar a criação, manutenção e a difusão do teatro no nosso estado e o incentivo à formação de plateia. Trabalha com o princípio da descentralização da produção cultural, realizando congressos, concursos, seminários, oficinas, mostras, intercâmbios, palestras, debates, leituras, cursos e festivais de teatro. A partir dos trabalhos realizados, a Federação tem gerado oportunidades para o desenvolvimento de talentos mais diversificados: são autores, iluminadores, sonoplastas, maquinistas, contrarregras, atores, diretores, músicos com especialização na composição para o teatro, etc. Os resultados podem ser comprovados nas montagens que se multiplicam nos municípios e que excursionam pelo estado. Por suas ações, a FETAERJ recebeu o Prêmio Golfinho de Ouro / Estácio de Sá (2000), concedido pelo Governo do Estado do Rio, o Troféu Mandacaru (2004), concedido pela prefeitura de Armação de Búzios pelos 4 anos de desenvolvimento teatral sistemático no município, a Moção de Aplauso (2004), concedida pelo Ateneu Angrense de Letras, pela realização da FITA (Festa Internacional de Teatro de Angra) e a Moção De Congratulação (2006), concedida pela Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro pelo “excelente trabalho em prol da cultura brasileira”. Recentemente recebeu o Diploma Heloneida Studart de Cultura 2016, da Assembleia Leg islativa do Estado do Rio de Janeiro.

 MAS – Mostra de Arte Singular

Abertura de inscrições: Até dia 10 de março de 2020 através do site: www.fetaerj.com

Arena Carioca Abelardo Barbosa – Chacrinha – Rua Soldado Elizeu Hipólito, 138 – Pedra de Guaratiba. – Telefone: (21) 3404-7980 – GRATUITO

FETAERJ – Federação de Teatro Associativo do Estado do Rio de Janeiro

Informaçõesfetaerj.singular@gmail.com

O INCRÍVEL CASO DO MENINO DE VESTIDO

No dia 21 de março de 2020, sábado, às 16h, estreia o espetáculo infantil “O Incrível Caso do Menino de Vestido” no Teatro Cacilda Becker, na Lapa. A peça integra a Mostra Sonhos em Tempos de Guerra, da República Ativa de Teatro, contemplada pela 32ª Edição do Programa de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo. A temporada vai até o dia 19 de abril, sempre aos sábados e domingos às 16h. Grátis!

A história de Dennis revela a inocência e a ingenuidade da criança diante dos preconceitos dos adultos. Em cena estão os atores Leandro Ivo, Rodrigo Palmieri, Thiago Ubaldo e Vivi Gonçalves. A direção é de Fernando Neves.

Mostra Sonhos em Tempos de Guerra contempla seis espetáculos teatrais, com linguagens distintas e com a participação de diversos outros artistas. Em 2019 foram apresentados os espetáculos “O Inimigo” no Teatro Décio de Almeida Prado, “A Sombra do Vale” no Teatro João Caetano, “Invocadxs” A Cidade de Dentro no Teatro Alfredo Mesquita. “O Incrível Caso do Menino de Vestido” é o quinto dentre esses seis espetáculos que serão apresentados gratuitamente em Teatros Públicos Municipais. O projeto promoverá ainda debates públicos sobre o Teatro e a Criança na Embaixada Cultural – sede da República Ativa -, que fica na Vila Dom Pedro II – Zona Norte da cidade.

Um menino pode usar um vestido?

A história de Dennis revela a inocência e a ingenuidade da criança diante dos preconceitos dos adultos. Afinal, quem foi que disse que menino não pode usar vestido? Quem foi que ditou as regras que determinam nossa cultura? A cultura é estática ou está sempre em transformação? É possível falar sobre preconceito de gênero com uma criança? Essas e outras perguntas foram fundamentais para a construção desse espetáculo, que é fruto da pesquisa da República Ativa de Teatro.

No enredo, Dennis é apresentado como um menino comum. Mas ele se sentia diferente. Achava que sua vida era chata e monótona. Diante de uma rotina sem maiores surpresas, algo de extraordinário simplesmente tinha que acontecer! E foi exatamente quando aconteceu que tudo a sua volta virou “de cabeça pra baixo”: ele decidiu usar um vestido, e isso gerou uma infinidade de comentários, julgamentos e opiniões de todos os lados, principalmente de sua família. Mas, afinal, por que uma ação tão simples pode gerar tanta polêmica? Será que existe mesmo um problema com Dennis, ou esse problema está nos julgamentos de todos à sua volta? Com recortes e fragmentos deste episódio, o espetáculo mostra os desafios que Dennis enfrentou ao se vestir desta forma.

Mas será que tudo é o que parece ser? Por quais motivos Dennis resolveu usar um vestido? Será que as regras sociais são realmente mais importantes do que os sentimentos humanos? Até que ponto somos reféns dessa moral? A quem ela serve? Ao falar sobre gênero, também trazemos à realidade da criança e do adulto tais questionamentos, apresentando um caso real (entre tantos outros) que evidencia a urgência de discutir os assuntos propostos com nosso público.

Para tratar esse tema tão delicado, o grupo convidou o ator e diretor Fernando Neves para orientar essa etapa da pesquisa, trazendo seus conhecimentos da linguagem do Circo-Teatro e do Melodrama. Oriundo de uma família tradicional circense, Neves guiou o trabalho com técnicas de interpretação e de escolhas dramatúrgicas dessa linguagem para ajudar a contar a trama desse herói. Sim, herói no sentido de que ele passa por diversas provações sem desviar seu caráter. Essa escolha é pertinente para mostrar que a ação de Dennis é genuína e não merece ser julgada superficialmente. Tratar de preconceito é mostrar as diversas perspectivas e o quanto elas podem ser falhas por se basearem apenas na aparência ou em regras que nem sempre se encaixam na realidade.

Você se sente bem vestido da tua própria opinião?

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O Incrível Caso do Menino de Vestido

Com Leandro Ivo, Rodrigo Palmieri, Thiago Ubaldo e Vivi Gonçalves

Teatro Cacilda Becker (Rua Tito, 265 – Lapa, São Paulo)

Duração 50 minutos

21/03 a 19/04

Sábado e Domingo – 16h

Grátis

Classificação Livre

A MÁQUINA DO TEMPO

Para entender o mundo de hoje, um menino resolve usar objetos que tem em seu próprio quarto para construir uma máquina que o permita viajar ao passado em busca de respostas. Eis o ponto de partida de “A máquina do tempo”, peça infantojuvenil escrita pelo ator e músico Gui Stutz, com direção de Denise Stutz. O espetáculo inédito estreia em 7 de março no Clube Manouche, com sessões aos sábados e domingos, às 16h, até 29 de março.

Sozinho em cena, Gui Stutz narra a história do menino de forma lúdica e entremeada por canções autorais. Nessa aventura pelo tempo, o menino é capturado por um navio pirata, vê diferentes dinossauros na pré-história, testemunha Santos Dumont voando no 14-Bis, vai trabalhar num circo de 1923 como o “menino do futuro” e passa por muitas cidades e países até voltar ao ano de 2020. Seu desejo nessa viagem é observar as florestas, os mares e as cidades para tentar entender como o passado se tornou o presente.

Acostumado a trabalhar com companhias teatrais, Gui já cultivava há tempos a vontade de montar um solo que reunisse música e dramaturgia. Para escrever “A máquina do tempo”, ele se inspirou na própria infância e na paternidade. “Sou filho único. Minha memória da infância tem muito de brincar sozinho e acompanhar as viagens de trabalho dos meus pais. Desenhava muito, criava mundos e histórias na minha cabeça”, recorda. Hoje pai de três filhos com idades entre dois meses e quatro anos, Gui se vê rodeado pelo universo da criança.

A música é um elemento constante nos trabalhos de artes cênicas de Gui Stutz, e não foi diferente na construção da dramaturgia de “A máquina do tempo”. Em cena, ele utiliza guitarra, e sintetizador ligados a um equipamento de looping para compor em tempo real a trilha sonora original.

Mãe e filho, Denise e Gui já trabalharam juntos em muitas produções, mas é a primeira vez que estão apenas os dois na criação de uma obra. Na bagagem, compartilham experiências que vão desde o teatro de rua popular da Grande Companhia Brasileira de Mystérios e Novidades até o teatro contemporâneo do espanhol Fernando Renjifo. “A nossa vontade era de fazer uma peça que não infantilizasse a criança. Queríamos dar espaço para ela pensar sobre o tempo de hoje”, enfatiza Denise.

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A Máquina do Tempo

Com Gui Stutz

Clube Manouche/ Casa Camolese (R. Jardim Botânico, 983 – Jardim Botânico, Rio de Janeiro)

Duração 60 minutos

07 a 29/03 (dia 08 – sessão extra 14h / não haverá sessão dia 15)

Sábado e Domingo – 16h

$40

Classificação 5 anos

TEATRO, LITERATURA, PESSOAS

A crítica teatral é um campo historicamente cercado de polêmicas, afinal envolve grandes egos e critérios subjetivos. Nenhum criador, seja dramaturgo, seja diretor ou ator, gosta de receber críticas negativas sobre suas obras, mas os grandes, como Juca de Oliveira, sabem reconhecer “a crítica certeira que empurra o artista para a frente e para o alto”. E Jefferson Del Rios, em seus cerca de cinquenta anos de crítica, inseriu seu nome entre os grandes mestres do ofício no Brasil, ao insistir no rigor e na isenção, em seu trabalho reunido em Teatro, literatura, pessoas – volume que integra a Coleção Críticas, com a qual as Edições Sesc buscam perenizar a rica diversidade da produção de críticas publicada na imprensa brasileira. Além do teatro, a literatura está presente em entrevistas com nomes como José Saramago e António Lobo Antunes, mas, em comum, está o foco nas pessoas que produzem arte, seu trabalho, suas histórias de vida e idiossincrasias.

 A primeira parte do volume inclui críticas publicadas sobretudo nos jornais Folha de S.Paulo (1969 a 1983) e O Estado de S. Paulo (1988 a 2015). Essa produção coincide com um dos períodos mais férteis da história do teatro brasileiro, em resposta ao arbítrio da ditadura militar, caracterizado pela censura e a repressão que sobrevieram ao AI-5, à abertura, no final dos anos 1970, e à redemocratização, a partir da década seguinte. Entre as montagens históricas a que Del Rios assistiu e sobre as quais escreveu, destacam-se Torre de Babel, de Fernando Arrabal, por Luís Carlos Ripper (1977); as versões de Antunes Filho para Esperando Godot, de Samuel Beckett (1977), e Macunaíma, de Mário de Andrade (1978) – esta, elogiada com entusiasmo; Trate-me Leão, do grupo Asdrúbal Trouxe o Trombone (1978); Calabar, de Chico Buarque e Ruy Guerra (1980); Shirley Valentine (1991), com Renata Sorrah; The Flash and Crash Days (1992), de Gerald Thomas, com as Fernandas Montenegro e Torres; e, já neste século, a versão de Zé Celso e do Oficina para Os Sertões, de Euclides da Cunha (2003); o Hamlet dirigido por Aderbal Freire-Filho, com Wagner Moura no papel principal (2008). e Bom Retiro 958 metros, do grupo Teatro da Vertigem (2012).

 A segunda parte traz entrevistas, perfis e textos opinativos sobre teatro e literatura, publicados nos jornais antes citados, nas revistas Bravo!Vogue, Nova aParte, além de um livro e um catálogo da APCA. Segundo Jefferson, esta parte é abertamente afetiva, “porque a crítica a sério exige o máximo de isenção”. Entre as figuras notáveis abordadas nos textos mais ensaísticos estão Oduvaldo Vianna Filho, Cláudio Abramo, Julio Cortázar, Consuelo de Castro, Edward Albee e Leilah Assumpção. Um dos mais marcantes narra um passeio com o espanhol Fernando Arrabal por São Paulo, da Praça da Sé ao Museu do Ipiranga. A capital paulista, aliás, emerge como uma das principais personagens dos escritos do crítico. As entrevistas incluem nomes como os atores Fernanda Montenegro e Raul Cortez, em 1981, e os escritores portugueses José Saramago, entrevistado em 1999, após receber o Prêmio Nobel de Literatura, e António Lobo Antunes; e o cubano Pedro Juan Gutiérrez. Completam o volume perfis de Marília Pêra, Sônia Braga, Gianfrancesco Guarnieri, Pedro Nava, Cacilda Becker (três perfis póstumos, de 1979, 1994 e 2013), Augusto Boal, Maria Della Costa, Sábato Magaldi, Ruth Escobar e um encontro com Paulo Autran pouco antes da morte do ator, em 2007. Assim como as críticas da primeira parte da coletânea, estes textos refletem parte importante da história do teatro brasileiro do período de maior atuação de Jefferson Del Rios.

Com as expressões artísticas em constante procura por sensações e elementos novos, o certo é que a crítica continua tendo relevância para a evolução dos movimentos que surgem a todo instante.

Danilo Santos de Miranda, Diretor Regional do Sesc São Paulo

Parcimônia no elogio, que, embora possa insuflar o ego do intérprete, o imobiliza e empobrece. Mas a crítica certeira o empurra para a frente e para o alto. Aí estão mais de quinhentas páginas de críticas, entrevistas e outros textos para conhecermos melhor um dos grandes críticos do Brasil!

Juca de Oliveira, ator, dramaturgo e diretor de teatro

TEATRO,LITERATURA,PESSOAS_CAPA-1

Lançamento livro “Teatro, literatura, pessoas” (512 pág, Edições SESC)

Jefferson Del Rios

Livraria Martins Fontes Paulista (Avenida Paulista, 509 – Paraíso, São Paulo)

10/03

Terça – 19h

SE ESSA LUA FOSSE MINHA

O premiado musical autoral brasileiro “Se Essa Lua Fosse Minha“, escrito por Vitor Rocha e com músicas de Elton Towersey, vem garantindo sucesso desde a sua primeira temporada, com sessões lotadas e ingressos esgotados desde a sua estreia em 2019. Após muitos pedidos do público o musical volta em cartaz em março no Teatro Viradalata em São Paulo.

O musical mescla cantigas populares, brincadeiras de roda e lendas antigas para contar a história de um povo saído de Terrarrosa, província da Espanha, que navega pelo oceano em busca de um lugar para construir um novo amanhã.  

Eis que lhe é apresentada a terra de Porto Leste, uma ilha situada no encontro das águas quentes com as frias, mas para a surpresa de todos a terra já está habitada por um outro povo. A diferença de crenças e culturas faz com que uma divisão se torne indispensável e uma linha é riscada no chão a fim de evitar a guerra.  

De um lado fica a destemida Leila e do outro o rebelde Iago. Quem é que faria um coração respeitar uma linha riscada no chão? O encontro de almas se dá, mas o dos corpos se torna cada vez mais raro pelo perigo de serem vistos juntos. A lua escuta mais versos de amor do que os próprios amantes. Enquanto isso, da Espanha, vem Belisa, predestinada a se casar com Iago, e da terra vem a flor do alecrim, talvez a solução para ele. O lencinho branco cai no chão. O anel que era de vidro e se quebra. Os pés virados para trás. Um canto que atrai os homens. Pirulito que tanto bate. A história às vezes rima, às vezes ensina e às vezes faz os dois ao mesmo tempo e sem dó, são dois coelhos numa cajadada só. É contada assim de boca e acompanhada por pouco mais de um violão, o que parece pouco, mas não é não. Afinal de nada vale tocar uma orquestra se não souber tocar um coração.    

O musical proporciona uma aventura nova ao público, mas de um jeito que os faz se sentir “em casa”. A história é nova e original, mas usa a todo tempo do folclore brasileiro para ser contada, fazendo com que tudo pareça familiar. O texto fala sobre a importância dos sonhos, de querer e fazer o bem, em plantar o amor, fala sobre o ódio e a liberdade. E para falar de tantas coisas universais, atemporais e necessárias, ele usa da cultura e do povo brasileiro.   

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Se Essa Lua Fosse Minha

Com Daniel Haidar, Aline Cunha, Luci Salutes, Arthur Berges, Vitor Rocha, Vitor Moresco, Fernando Lourenção, Marisol Marcondes, Davi Tápias, Larissa Carneiro, Fábio Ventura, Alberto Venceslau, Abner Depret e Giovanna Calegaretti

Teatro Viradalata (Rua Apinajés, 1387 – Sumaré, São Paulo)

Duração 130 minutos

03 a 31/03

Terça e Quarta – 21h

$60

Classificação 12 anos

BRILHA LA LUNA – O MUSICAL

A partir de 28 de março, o palco do Teatro Raul Cortez será a nova casa do espetáculo “Brilha La Luna – O Musical”, que chega pela primeira vez à São Paulo após temporada de estreia no Rio de Janeiro. Com as músicas do grupo Rouge como ponto de partida, o texto assinado por Juliano Marceano traz uma história nova que abraça sutilmente temas como homofobia, gordofobia, empoderamento e sororidade. A idealização do projeto é do ator Diego Montez.

O musical acompanha a trajetória da jovem Luna, que vive na comunidade mística de Aserejé, local criado pelos pais da protagonista, com os quais ela já não tem contato e só ouve as histórias deles por meio de seu tutor, o divertido Pedro (Daniel Haidar). Longe do brilho e velocidade da cidade grande, a jovem interpretada por Marcella Bártholo e Carol Botelho desconhece o potencial negativo da humanidade. Sua história muda quando o cantor Diego (Robson Lima) chega ao recanto hippie e conquista o coração de Luna.

Ao ser deixada para trás pelo astro da música, Luna é impelida a ir à cidade atrás dele, onde aprenderá lições sobre o mundo exterior ao participar do concurso “Be a Star”, promovido pela hostess televisiva e empresária Theodora (Fernanda Gabriela) e seu ajudante Dinho (Nicolas Ahnert). Nesta jornada, a protagonista não está sozinha e desenvolve uma amizade com as outras quatro outras competidoras do reality musical: Lilith (Thuany Parente), Tiffany (Amanda Doring), Calíope (Júlia de Aquino) e a drag queen Thalia (Bruno Boer). O espetáculo reserva ainda referências divertidas que o público jovem vai reconhecer e guarda reviravoltas (mais de uma!) que surpreendem a plateia no final.

Além do enredo, as canções que encantaram os fãs do grupo formado por Aline Wirley, Fantine Thó, Karin Hils, Li Martins e Lu Andrade também estão presentes no musical e ajudam a estória a evoluir. Entre os sucessos do Rouge, estão hits como “Beijo Molhado”, “Ragatanga”, “Um Anjo Veio Me Falar”, “Cidade Triste”, “Let’s Dance” e claro, “Brilha La Luna”,  todas reimaginadas em um novo contexto na peça.

Além do elenco protagonista, o musical conta com um ensemble que diverte a ajuda contar a história. O grupo é formado por Luiza Carvalho, Yasmin Lifer, Carol Donato, Ana Araújo, Lucas Becerra, José Dias, Júlia Sanches, Vitória Eliza e Ana Bia Mattos. Produzido pela LAB Cultural, “Brilha La Luna” realiza um sonho de longa data de Diego Montez, que recebeu a benção do quinteto para criar o espetáculo.

A ideia surgiu faz tempo. Uma das minhas melhores amigas, que é atriz e estava fazendo novela comigo na época, viveu em uma comunidade hippie até seus 16 anos, sem acesso algum à tecnologia ou cultura pop. Aquela história ficou tanto na minha cabeça que comecei a rascunhar a ideia de uma peça sobre essa garota que passa uma vida em uma aldeia afastada da cidade e cai de paraquedas no mundo frenético da televisão. 

No café onde eu escrevia o nome das primeiras personagens, tocou Ragatanga. Foi ali que me ocorreu que “Aserejé” é um nome ótimo para uma comunidade alternativa e que esse tal “Diego” que vira a esquina podia ser um mochileiro que apresenta todo esse universo a essa garota. Me juntei com o Juliano e começamos a desenvolver a dramaturgia em cima do repertório que a gente conhecia de cor: éramos fãs da banda de dormir na porta do estádio para ir no show! conta Diego Montez, idealizador do espetáculo.

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Brilha La Luna – O Musical

Com Marcella Bártholo, Carol Botelho, Thuany Parente, Robson Lima, Daniel Haidar, Fernanda Gabriela, Bruno Boer, Amanda Doring,  Júlia de Aquino, Nicolas Ahnert, Luiza Carvalho, Yasmin Lifer, Carol Donato, Ana Araújo, Lucas Becerra, José Dias, Júlia Sanches, Vitória Eliza e Ana Bia Mattos

Teatro Raul Cortez – Fecomércio (Rua Doutor Plínio Barreto, 285, Bela Vista, São Paulo)

Duração 90 minutos

28/03 a 19/04

Sábado – 20h, Domingo – 18h

$100

Classificação 12 anos

O PORTAL ENCANTADO

Grupo Dragão7 de Teatro estreia no dia 7 de março (sábado, às 11 horas) o espetáculo de bonecos para bebês O Portal Encantado, no Teatro das Artes, com direção de Creuza F Borges.

Com enredo sensorial e lúdico, O Portal Encantado apresenta a criação do universo a partir do átomo e suas combinações, dando origem à matéria. A viagem passa pelo surgimento das estrelas, das galáxias, dos planetas, da Terra, dos continentes, das florestas.

Explorando os efeitos de luzes e de cores, a encenação chega à Floresta Amazônica, trazendo para os pequeninos a exuberância de sua fauna e flora, apresentando-lhes o índio, além de mitos, lendas e seres da Amazônica: o boto, o curupira, o canto do uirapuru, a arara azul e a boiuna (cobra grande).

O roteiro foi desenvolvido conjuntamente por Sérgio Portela, Creuza F Borges e pelas atrizes manipuladoras Mônica Negro e Marisa Mainarte. Às falas coube somente o papel necessário, a exemplo do jogo com sinônimos de palavras ou coisas na língua tupi-guarani. No espetáculo predominam o visual, as sensações e o encantamento dos bonecos, criados por Lucas Luciano.

O Dragão7 de Teatro é uma companhia que atua, desde 1988, tendo em seu repertório várias montagens, adultas e infantis, que já foram apresentadas em palcos nacionais e internacionais. Atualmente, com O Portal Encantado, investe nessa nova linguagem, que vem sendo explorada em vários países: o teatro para bebês de seis meses a quatro anos de idade. Em novembro de 2019, aconteceram quatro sessões muito bem sucedidas no Teatro Sérgio Cardoso, estimulando o grupo a colocar o espetáculo em cartaz.

O Portal Encantado

Com Grupo Dragão7 de Teatro

Teatro das Artes – Shopping Eldorado (Av. Rebouças, 3970 – Pinheiros, São Paulo)

Duração 35 minutos

07 a 28/03

Sábado – 11h

$70 (combo com 4 ingresso $120)

Classificação Livre

MIL MULHERES E UMA NOITE

O premiado grupo As Meninas do Conto está às vésperas de completar 25 anos de existência. Fundado por mulheres, mantém a premissa de ter em cena somente atrizes garantindo a presença e o fazer por mulheres. Ao longo deste tempo vem realizando um trabalho de excelência artística, com pesquisa e produção voltadas para o público infanto juvenil e adulto. Reconhecido por diversos prêmios, além de participações em importantes eventos e festivais no Brasil e no exterior, tornou-se referência na arte de contar histórias e no apoio de formação de novos contadores.

Para celebrar o Dia Internacional da Mulher, o grupo faz duas sessões do espetáculo Mil Mulheres e Uma Noite, nos dias 7 e 8 de março, às 18h30, na Casa da História (sede do grupo, na Pompeia). Com direção de Eric Nowinski e dramaturgia de Cassiano Sydow Quilici, a peça tem como ponto de partida o livro As Mil e Uma Noites traduzida diretamente do árabe para o português por Mamed Mustafa Jarouche. Vencedor do Prêmio Melhor Figurino Aplauso Brasil/2017, neste mesmo prêmio indicado também como melhor direção, melhor iluminação, e trabalho de grupo. Também indicado ao Prêmio APCA/2017 como melhor direção.

A proposta do espetáculo é fazer ecoar a voz de Sheerazade, – que, para entreter o rei e salvar a própria vida, não se cansa de contar histórias – uma mulher que enfrenta a tirania dos homens com a potência das histórias. A perspectiva feminina é a força motriz para a dramaturgia. Na peça, a voz dessa mulher é multiplicada pelas vozes femininas que compõem o grupo de sete atrizes. A dramaturgia sobrepõe as narrativas do livro a notícias contemporâneas de opressão feminina.

O livro contém fábulas de terror, piedade, amor, ódio, medos, paixões desenfreadas, atitudes generosas e de comportamentos cruéis, delicadas e brutais. A obra, de tradição oral árabe e persa, foi escolhida por ser uma referência universalmente reconhecida de difusão de contos populares. “É um livro de tradição oral com histórias milenares dos mais variados gêneros, e ao cruzarmos com histórias de opressão feminina contemporâneas exercitamos o processo de educação e transformação, que é a função do conto, em sua essência. O ato de parar para ouvir, exercitar a imaginação e de se colocar em outro ponto de vista”, diz a atriz Simone Grande.

O diretor Eric Nowinski conta que o grupo fez a primeira interface da obra d’As Mil e Uma Noites com recortes de jornal. “Ao abrirmos os jornais, revistas, sites e outros veículos de comunicação nos deparamos diariamente com notícias sobre abuso, injustiça e violência de gênero. É preciso seguir dando voz às mulheres. E não existe na tradição oral mundial imagem mais emblemática do que a de Sheerazade, noite após noite, seduzindo o sultão Sharyar por meio de narrativas fantásticas que percorrem os mais variados gêneros; e esta imagem é ainda mais universal quando entendida como diálogo entre o feminino e o masculino, entre o oprimido e o opressor,” explica.

Em tempos de avanço das tecnologias de comunicação estamos perdendo os momentos de compartilhamento que a prática de leitura em voz alta pode trazer. Este tipo de leitura mobiliza não apenas a fala, mas também o corpo e a relação com os demais participantes, gerando um espaço para a construção de subjetividades,” analisa o Eric Nowinski.

Contemplado com a 4 ª edição Prêmio Zé Renato da Cidade de São Paulo em 2016, o espetáculo circulou por 4 bibliotecas municipais, cumpriu duas temporadas na Oficina Cultural Oswald de Andrade, além de promover leituras encenadas de episódios da obra que não constam da adaptação teatral.

Proposta de encenação

Com direção musical de Fernanda Maia e direção de movimento e coreografias de Letícia Doreto, um coro costura musicalmente as narrativas e conduz o público pelo espaço cênico percorrendo os diferentes espaços onde ocorrerão as histórias. Uma abertura musical contextualiza a plateia com a história de Sheerazade, de onde se desdobram as outras narrativas.

O coro funciona como um personagem, que tem a função de permear as cenas individuais com outras texturas sonoras, ambientação musical e diferentes composições espaciais. Instrumentos musicais como o darbuka, de tradição árabe, remete o ouvinte rapidamente a essa cultura. Outros, como o pandeiro, promovem um elo entre a música do oriente médio e do Brasil tornando possível revelar as influências árabes na cultura brasileira.

Também a iluminação tem função cenográfica. Na medida em que as histórias estarão instaladas em diferentes espaços cênicos, a luz, tanto quanto a ambientação de cada espaço é um importante índice de remissão a um espaço-tempo mítico situado entre o fantástico e o maravilhoso, universo proposto pelas narrativas e fábulas originais e o contemporâneo expresso em elementos da condição feminina , que reverberam em diferentes culturas e diferentes momentos históricos.

FACE

Mil Mulheres e Uma Noite

Com Danielle Barros, Helena Castro, Lilian de Lima, Lívia Salles, Norma Gabriel, Silvia Suzy e Simone Grande

Casa da História – sede do grupo As Meninas do Conto (Rua Doutor Francisco Figueiredo Barreto 157, Pompeia, São Paulo)

Duração 80 minutos

07 e 08/03

Sábado e Domingo – 18h30

$40

Classificação 14 anos

AS CRIANÇAS

A história de três físicos nucleares que se encontram numa isolada casa à beira-mar em região outrora bucólica, mas devastada por um acidente nuclear. Esse é o mote de As Crianças que chega com nova temporada em São Paulo a partir do dia 14 de março no Teatro Eva Herz. A direção é de Rodrigo Portella (de Tom na Fazenda) e conta com Analu Prestes, Mario Borges e Andrea Dantas no elenco. As apresentações são sempre aos sábados, às 20h, e domingos, às 18h, até 31 de maio.

Escrita em 2016 pela jovem e premiada dramaturga inglesa Lucy Kirkwood, a peça estreou no mítico Royal Court Theatre de Londres, celeiro de boa parte dos mais expressivos jovens dramaturgos ingleses. A montagem brasileira tem uma trajetória de sucesso, pois venceu os prêmios Cesgranrio, e Botequim Cultural nas categorias de Melhor Atriz com Analu Prestes, Melhor Diretor e Melhor Espetáculo. Ainda está concorrendo a 26 prêmios entre Shell, APCA, Aplauso Brasil.

Na trama, o casal de físicos aposentados Dayse (Analu Prestes) e Robin (Mario Borges), vive só e sem vizinhos numa casa improvisada perto da costa, numa região inóspita assolada por um acidente nuclear. Após uma ausência de quase quarenta anos, Rose (Andrea Dantas), antiga colega de profissão e amiga, chega a essa casa com uma missão que poderá mudar para sempre a vida do casal. Para complicar as coisas, Robin teve uma relação com Rose no passado.

A montagem levanta duas camadas de reflexão: num nível individual, fala da relação do ser humano com a passagem do tempo e seu inventário de perdas e ganhos; e num nível coletivo, trata de discussões éticas sobre a responsabilidade com o uso dos recursos do planeta e com as gerações futuras. Reparação e redenção são temas dessa peça que volta seu olhar para os catastróficos resultados da interação entre os humanos e a natureza.

A dramaturgia se sustenta pelo desvendamento progressivo dos sentimentos dos personagens que, aos poucos, vão mostrando não só seus problemas afetivos, mas também a profunda crise ética em relação ao seu papel na sociedade em que vivem. Paralelamente à questão nuclear, o texto investe nas particularidades da vida desses três indivíduos – sua relação com os filhos (ou a opção por não tê-los), a proximidade da morte, a traição, as omissões, a fantasia e o desejo. Trata-se de um grande desastre a espelhar os pequenos desastres de três vidas.

A discussão da peça está para além da questão nuclear. Ela nos provoca a pensar em como usamos os recursos disponíveis. Entendo que Kirkwood quer que pensemos em nossa responsabilidade com as futuras gerações. Para mim a grande pergunta da peça é: salvar as crianças de um futuro catastrófico é um ato de heroísmo ou uma obrigação?”, questiona o diretor.

A montagem conta com a cena limpa – uma grande e comprida mesa de madeira e algumas cadeiras. As mudanças de ambiente são materializadas pelo trabalho dos atores.  “O texto de Lucy Kirkwood me parece ser uma dessas obras que dispensaria a concretude da cena. Cheguei a pensar que os atores poderiam se sentar em um palco vazio e falar rubricas e diálogos sem precisar fazer qualquer coisa. Eu gosto de contar com a imaginação do público. O teatro é ‘precário’ por natureza e é nessa precariedade que enxergo sua potência; uma vez que o ‘palco’ nunca dará conta de toda a realidade da fábula. Assim cada espectador usa de sua imaginação e memória para viver uma experiência singular.  Como quem lê um livro, por exemplo. Nesse caso, como se o próprio livro se lesse sozinho para o espectador. Para mim ‘a coisa toda’ acontece no encontro dos imaginários. Por isso a cozinha onde se passa a peça não precisa ser materializada, a salada não precisa existir e os atores nem precisam comer. Essa desobrigação me abre espaço para a criação de uma outra dimensão dentro da obra: mais aberta, evocativa, múltipla e ao mesmo tempo particular”, descreve Portella.

A Peça Na Linha Do Tempo

Desde os anos 1950, no pós-guerra, quando o mundo tentava digerir a tragédia desencadeada pelas bombas atômicas detonadas em Hiroshima e Nagasaki, a energia nuclear tornou-se o centro das atenções – para o bem ou para o mal. O mundo passou a refletir sobre seus benefícios e malefícios. Que discurso ético sustentaria o extermínio de milhares de pessoas com sofrimentos indizíveis?

O sofrimento estampado nas imagens das vítimas no Japão ainda hoje assombra o planeta. Afinal, foi para isso que a ciência avançou? As dúvidas, porém, não inibiram o avanço das pesquisas, a busca desesperada pelo poder através da manipulação da ciência e especificamente da energia nuclear.

A Guerra Fria que se seguiu, entre Estados Unidos e União Soviética, evidencia essa disputa. Possuir reatores atômicos torna “respeitáveis” as grandes potências. Estão aí os seguidores desta cartilha, como o dirigente da Coreia do Norte, que faz o mundo tremer com suas experiências em águas internacionais. Parecem não importar os acidentes catastróficos já ocorridos – é só lembrar de Chernobyl – e as consequências devastadoras para populações indefesas, que continuam morrendo sob o efeito da contaminação. – Essa parte parece ser aspas de alguém. Seria?

FACE

As Crianças

Com Mario Borges, Analu Prestes e Andrea Dantas

Teatro Eva Herz – Livraria Cultura (Av. Paulista, 2073 – Bela Vista, São Paulo)

Duração 100 minutos

14/03 a 31/05

Sábado – 20h, Domingo – 18h

$80

Classificação 14 anos