O espetáculo ‘Diálogos Sobre a Loucura’, segundo trabalho do grupo Performatron, nasce a partir de um processo de pesquisa de dois anos realizado em instituições psiquiátricas do país. A peça estreia na próxima segunda-feira, 02 de julho, às 20h, na Oficina Cultural Oswald de Andrade em temporada até 15 de agosto, sempre às segundas, terças e quartas, às 20h. No espetáculo, um grupo de jovens médicos que atua em um hospital psiquiátrico no Rio de Janeiro em plena ditadura militar, vê-se obrigado a tomar uma atitude drástica quando são demitidos arbitrariamente de suas funções.
Contemplado pelo ProAC – Primeiras Obras de Teatro em 2017, o espetáculo busca refletir sobre a construção social da loucura, a partir da fricção entre materiais documentais e as experiências vividas pelos artistas do grupo durante o processo. Durante o período de pesquisas práticas, realizadas no Instituto Nise da Silveira, no Rio de Janeiro, e em unidades do CAPS na cidade de São Paulo, foram realizadas diversas conversas com portadores de transtornos psiquiátricos, profissionais da área da saúde e familiares, além do registro por meio de textos, vídeos e gravações das impressões dos atores, que participaram de oficinas de teatro, eventos institucionais e reuniões de equipe nessas instituições.
Desde sua formação, no ano de 2014, o grupo Performatron investiga as possibilidades de ampliação e ressignificação de material documental através da pesquisa em comunidades específicas. Em seu primeiro trabalho, São Paulo Refúgio, depoimentos, cartas e entrevistas concedidas por refugiados e imigrantes foram revisitados em ensaios colaborativos e confrontados com as experiências pessoais dos atores, que estiveram também durante dois anos imersos em ocupações, mesquitas e instituições de auxílio a imigrantes. A partir desses encontros com grupos em situação de vulnerabilidade, o grupo busca sempre estabelecer novas possibilidades desenvolver suas criações artísticas diretamente atreladas com questões sociais e políticas da sociedade atual.
Em ‘Diálogos Sobre a Loucura’, o amplo espectro da loucura é abordado pelo viés do sistema público de saúde mental do país. Durante a pesquisa prática, o grupo percebeu a necessidade de reflexão sobre as consequências sociais de modelos psiquiátricos que encarceram e desumanizam portadores de transtornos mentais. Foram explorados, ainda, elementos fundamentais que permeiam a discussão, como o papel da indústria farmacêutica, a reinserção social de pacientes advindos de longos períodos de internação e os impactos de decisões políticas nesses processos.
O desenvolvimento da dramaturgia e a ação ficcional do espetáculo tomou como uma base um acontecimento histórico conhecido como “Crise da DINSAM (Divisão Nacional de Saúde Mental)”, quando, em 1978, três jovens médicos decidem denunciar no livro de registro o que acontece no Centro Psiquiátrico Pedro II, no Rio de Janeiro. O psiquiatra Paulo Amarante, também entrevistado nesse processo, explica:
“Em 1978, comecei a trabalhar na Dinsam e notei ausência de médicos nos plantões, deficiências nutricionais nos internos, violência (a maior parte das mortes causada por cortes, pauladas, não investigadas e atribuídas a outros pacientes). Investigamos, e as conclusões deram muito problema. Outra denúncia era da existência de presos políticos em hospitais psiquiátricos, inclusive David Capistrano, pai, um dos fundadores do Partido Comunista (Radis 143) – e existem fortes indícios de que era ele mesmo. Havia médicos psiquiatras envolvidos em tortura e desaparecimento de presos políticos – a Colônia Juliano Moreira [no Rio] tinha um pavilhão onde só entravam militares. Fui chamado na sede da Dinsam e demitido, com mais dois colegas. Oito pessoas, entre elas, Pedro Gabriel Delgado e Pedro Silva, organizaram um abaixo-assinado em solidariedade a nós. Depois, mais 263 pessoas foram demitidas. Isso caracterizou um movimento. Conseguimos manter a crise da Dinsam, como chamávamos, na imprensa por mais de seis meses.”
O grupo, inteiramente formado por jovens em torno dos 25 anos de idade, traz em seu discurso e no discurso de seus personagens, o dilema de uma geração que é incapaz de agir ativamente diante da catástrofe social e política que assola o país.
“Principalmente depois da grave crise política atual, percebe-se que os dilemas de 1978 não estão tão distantes de nós e encontrar o modo de trazer isso para o espetáculo foi o grande desafio dessa criação. Encontrar os diálogos possíveis entre 1978 e 2018, jovens médicos e jovens artísticas, o hospício e o teatro, se mostrou um processo extremamente trabalhoso, porém gratificante, uma vez que hoje é possível enxergar no espetáculo não apenas as vozes dos artistas e de um jovem grupo de teatro da cidade de São Paulo, mas, sobretudo, das inúmeras vozes silenciadas em instituições psiquiátricas do país”, acrescenta Dess.
Ainda que a reforma psiquiátrica implantada em 2001 no Brasil objetive o fim dos manicômios, é notório que algumas instituições psiquiátricas ainda permanecem reproduzindo o mesmo modelo de encarceramento do século passado. “Durante o período de pesquisa para o desenvolvimento do espetáculo foi possível notar como alguns modelos enrijecidos de gestão são capazes fomentar a marginalização e estigmatização do paciente psiquiátrico. Buscando construir uma crítica a esses modelos, foi tomado como base um acontecimento histórico do passado, porém perfeitamente capaz de dialogar com os tempos atuais. Entende-se que para compreender os sistemas de regem o Brasil atual, é necessário olhar para como esses sistema foram construídos no passado e é isso que ‘Diálogos Sobre a Loucura’ e o Performatron buscam fazer, complementa o diretor.
Diálogos Sobre a Loucura
Com André de Saboya, Augusto Caliman, Elise Garcia, Ériko Carvalho e Gabriela Moraes
Oficina Cultural Oswald de Andrade (Rua Três Rios, 363 – Bom Retiro – São Paulo)
Duração 130 minutos
02/07 até 15/08
Segunda, Terça, Quarta – 20h
Ingressos gratuitos distribuídos 1h antes do início do espetáculo.
Classificação 14 anos
*30 e 31 de julho e 01 de agosto não haverá espetáculo
**2 e 16 de julho, às 21h, e 9 de julho, às 19h.